Lígia Maria da Silva Santos, de 24 anos, trabalha como auxiliar de
limpeza durante o dia e estuda à noite. Ela é colega de classe do
ajudante de pedreiro Cláudio Oliveira Kosaske, de 40 anos. Os dois fazem
parte de um grupo de 14 milhões de brasileiros acima de 15 anos que não
conseguiram ter acesso à alfabetização. Entretanto, voltaram cheios de
ânimo aos bancos das salas de aula e estão cada vez mais próximos de
realizar o sonho de ler e escrever. Eles estão sendo alfabetizados com a
ajuda de um aparelho celular.
Lígia e Kosaske estão incluídos no Programa de Alfabetização na Língua
Materna (Palma), desenvolvido pelo matemático José Luiz Poli, de 54
anos, direcionado a complementar a educação formal de jovens e adultos
que não sabem ler e escrever.
O programa permite a alfabetização pela combinação de sons, letras e
imagens nos aparelhos celulares. Desde abril, o Palma está sendo testado
em um projeto-piloto junto às prefeituras municipais de Campinas,
Itatiba e Pirassununga.
Segundo Poli, a ideia do programa surgiu depois da constatação de que a
maioria das pessoas tem familiaridade com os celulares. “Analisando por
muitos anos a alfabetização de jovens e adultos, visitando muitas
classes de pessoas com mais de 15 anos, percebi a grande dificuldade
delas em aprender a ler e escrever por causa da vida dura que levam.
Percebi também que a maioria tinha ou sabia usar um aparelho celular
muito bem. E se eles conseguiam utilizar os números para fazer e receber
ligações, se eu desenvolvesse um método que combinasse letra com
número, eles também poderiam aprender as letras e ser alfabetizados”,
afirma Poli.
Desenvolvido com a ajuda de doutores nas áreas de educação e tecnologia,
o método é composto por um aplicativo para smartphones e por um sistema
que controla o desempenho acadêmico. As lições sonorizadas complementam
a alfabetização em cinco níveis: alfabeto, sílabas simples, sílabas
complexas, vocabulário e interpretação de texto. “Além da combinação de
sons, números e palavras, o aluno tem uma série de exercícios sob a
forma de jogos que ajuda na fixação da aprendizagem”, explica o
professor.
Cada estudante da turma-piloto recebeu um aparelho, por onde acessa
diariamente o programa. “Durante 30 minutos da aula, a professora
permite que os alunos liguem o aparelho e façam os exercícios. Eles
levam celular para casa ou para o trabalho e podem refazer as atividades
tantas vezes quanto desejarem”, afirma. O desempenho é medido
individualmente ao final de cada atividade por meio de um sistema de
monitoramento instantâneo, via mensagem SMS. Durante as férias de julho,
Kosaske arriscou seguir com a aprendizagem por conta própria. “Passei
várias palavras para o meu caderno. Também aprendi a entrar no programa e
fazer a lição”, diz ele.
Os dez alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Clotilde
Barraquet von Zuben, no Jardim Florence 2, em Campinas, incluindo Lígia e
Kosaske, aprovaram os resultados obtidos em três meses de uso do novo
método. “Com o celular, acho que estou aprendendo mais e com fé em Deus
vou conseguir aprender a ler”, diz Lígia. “A leitura faz falta para mim.
Já perdi muito emprego bom porque não sabia ler nem escrever. Com o
projeto eu vou avançar. Vou estudar e aprender ainda mais”, completa o
colega Kosaske. Ao final do ano, quando passarem por uma prova
presencial com o uso do celular, e apresentarem bom desempenho, os
alunos ganharão o aparelho.
O projeto-piloto será testado até o final deste ano e em seguida deve
ser ampliado para outras cidades do País. “Quero testar esse modelo até o
final do ano, verificar o trabalho de acompanhamento da professora e
observar como os alunos evoluíram. Ano que vem, pretendo ampliar para o
Brasil inteiro se for possível”, afirma Poli. Segundo ele, a intenção
ainda é criar um programa que possa ser utilizado por crianças.
“Pretendo no futuro transformar o método que eu tenho para crianças, de
forma que o celular também possa ser utilizado por elas como um reforço
da aprendizagem na sala aula”, afirma. Atualmente, a inserção de outras
matérias da educação básica, como matemática e ciências naturais e
sociais, está em fase de desenvolvimento e deve ser implementada no
próximo ano.
Método vai ser ampliado para mais duas escolas
Programa de Alfabetização na Língua Materna (Palma), iniciado em abril
deste ano com 55 alunos de quatro escolas do Estado, será ampliado este
semestre para mais duas escolas de Campinas, a Administração Regional,
no Jardim Cristina, e a Escola Municipal de Educação Infantil Professor
Jorge Leme. Com a ampliação, mais 30 alunos que fazem parte do programa
de Educação de Jovens e Adultos serão incluídos no programa. Os motivos
da ampliação são os bons resultados do projeto-piloto e o reconhecimento
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco). “A alfabetização por meio do celular vem ao encontro de uma
revolução e de uma evolução tecnológica, promovendo a flexibilidade de
horário, mobilidade e educação personalizada onde o aluno aprende no seu
ritmo com o acompanhamento do professor. O projeto foi contemplado com
elogios e recomendação pela Unesco, enquanto “um potencial importante
como reforço para o processo de alfabetização de jovens e adultos que
tanto desafia a maioria dos países em desenvolvimento”, afirma Marinalva
Imaculada Cuzin, coordenadora do programa de Jovens e Adultos, de
Campinas. (IM/AAN)
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